Certo final de tarde, ao passar pela portaria do residencial que moro, uma jovem aparentando 17 anos fez sinal pedindo carona. Parei e disse para onde ia, obtive como resposta: "Oba, serve!".
Abri a porta do lado do passageiro, ela entrou. Olhei pra ela, que não me olhou, pois estava a dedilhar uma mensagem em seu iPhone. Passei a primeira marcha...
Liguei o rádio baixinho para não atrapalhar o pensamento. Da mensagem de texto, ela fez uma ligação em que ensaiou discutir com alguém. Guardei o meu "Olá, tudo bem?" para quando ela se desocupasse. Eu ali, ouvindo tudo, há quase cinco minutos, um tanto quanto perplexa, pois parecia não estar lá. De repente, ainda sem me olhar, ela diz: "Moça, vou descer aqui".
Desacelerei, encostei o carro, ela desceu já digitando uma outra mensagem em seu celular e sem olhar pra mim disse: "Obrigada!"
Segui meu caminho pensando na falta da atenção, do "oi", por que não dizer dos bons modos? Vivenciei minutos de invisibilidade e o desconforto que senti ratifica a importância de tudo que mais prezo. Chegando em meu destino, abri a porta e segui sustentando em meu próprio equilíbrio a minha sensibilidade.
Aline Caldas
SP, 15/07/2013
"Ser sensível nesse mundo requer muita coragem. Muita. Todo dia. Esse jeito de ouvir além dos olhos, de ver além dos ouvidos, de sentir a textura do sentimento alheio tão clara no próprio coração e tantas vezes até doer ou sorrir junto com toda sinceridade. Essa sensação, de vez em quando, de ser estrangeiro e não saber falar o idioma local, de ser meio ET, uma espécie de sobrevivente de uma civilização extinta. Essa intensidade toda em tempo de ternura minguada. Esse amor tão vívido em terra em que a maioria parece se assustar mais com o afeto do que com a indelicadeza. Esse cuidado espontâneo com os outros. Essa vontade tão pura de que ninguém sofra por nada. Esse melindre de ferir por saber, com nitidez, como dói se sentir ferido."
Ana Jácomo
